Teatro

Entrevista: Hipólyto, o Fiyero de ‘Wicked’, fala sobre carreira, música e representatividade

Hypólito Fiyero Wicked

No palco de uma das peças mais aclamadas pelo público dos últimos anos, um príncipe encantado quebra um feitiço de décadas. O ator carioca Hipólyto, de 26 anos, dá vida a Fiyero na aclamada versão brasileira de Wicked, que vem sendo sucesso de bilheteria. Em entrevista ao OA, o jovem carioca nos revelou que a experiência é um misto de “grande responsabilidade” com a alegria de ver o impacto direto de seu trabalho no público, especialmente em crianças.

“Interpretar o Fiyero tá sendo de uma de uma grande responsabilidade assim, que eu já desde o início já senti Por um outro lado, para mim como ator, como artista, está sendo muito gratificante entender e receber esse carinho todo das pessoas, né? Tem sido esse reconhecimento pela representatividade também”, relata o ator sobre o personagem de Wicked.

O impacto mais potente, ele conta, é visível nos olhos das crianças durante as sessões de Wicked especiais para ONGs. “É muito nítido assim ver, não só comigo, mas as crianças olhando a gente com bons olhares, vendo a gente de frente como protagonista. Acho que isso encanta muito elas.”

A jornada até essa confiança, no entanto, foi pavimentada por uma vulnerabilidade que muitos artistas conhecem bem. “Eu primeiro achei que não fosse dar conta, né? A gente tem sempre essa síndrome de impostor”, admite. A virada de chave veio com a avalanche de apoio do público. “Eu fui, de fato, recebendo boas mensagens, bons feedbacks sobre a minha interpretação, sobre o próprio personagem. Tem sido de muito carinho assim, dos fãs, do público, eles estão aprovando muito isso desse meu Fiyero.”

A construção desse príncipe, que se afasta do estereótipo tradicional, foi um processo de busca por uma autenticidade brasileira. A orientação do diretor de Wicked foi crucial. “Ele disse uma coisa muito importante para mim: ‘O Fiyero já é muita coisa, ele já está ali. O próprio roteiro já o torna o Fiyero. Você não precisa forçar a barra. Seja divertido, seja astral'”. A partir daí, Hipólyto infundiu no personagem uma energia inconfundível. “Eu acho que o que eu mais coloquei de brasileiro foi a nossa energia mesmo, sabe? Energia carnaval, aquela coisa que é pra cima, que o cara não está ligando para o que está acontecendo. É uma essência de energia alta.”

A Técnica da Intuição: O Desafio da Dublagem

A versatilidade de Hipólyto é posta à prova quando ele troca a vastidão do palco pela cabine de dublagem. Em 2024, ele dá voz a Taka, a versão jovem do vilão Scar em Mufasa – O Rei Leão, uma experiência que ele descreve como “bem desafiadora”. O processo é o oposto do teatro.

“A dublagem é muito diferente porque a gente não sabe o que vai fazer. A gente não tem acesso ao que vai fazer na hora. Chegou no estúdio para dublar, olhou o que tem para fazer, a cena é essa, entende ali na hora as intenções e faz”, explica. A confidencialidade é máxima, para evitar vazamentos. “No teatro, a gente tem um estudo. Lá não, lá é meio que na técnica e na intuição mesmo. O texto chega na hora.”

Esse trabalho exige uma criatividade singular, um equilíbrio entre respeitar a performance original e imprimir uma brasilidade que conecte com o público local. “Você não pode sair muito do que o ator original fez, mas também tem que colocar uma intenção que é brasileira. Aí vai de gíria, vai da forma de falar, métrica também.”

O Artista Plural e a Batalha pela Representatividade

Ator, cantor, compositor, dublador, artista circense. Hipólyto se move com fluidez entre as áreas, motivado por um desejo de expressão completa. “O meu lance é esse. É fazer tudo que eu consigo fazer”, afirma. Contudo, essa ocupação de espaços vem acompanhada de uma consciência crítica sobre o estado da indústria cultural.

Sua reflexão sobre representatividade é direta: “Já é melhor. Não é o ideal, mas já é melhor do que antigamente. Nesse momento, eu, mas muitos outros artistas pretos, nós somos essa referência atualmente no mercado. É a gente que está ali desbravando, abrindo espaço”, contextualiza. Ele, então, aponta para o cerne da questão: “O lance da representatividade, eu acho que ela passa pela oportunidade primeiro. Porque capazes a gente é, todo mundo sabe. Só que, antes dessa representatividade chegar, ela precisa da oportunidade. Que é o que algumas produções ainda não fazem”.

A análise se aprofunda ao incluir os bastidores, um ponto que considera fundamental. “As diretorias, as produções, ainda têm esse déficit de pessoas para serem representadas ali, para que a gente que está em cena também tenha um local de porto seguro, um local de referência”, argumenta, destacando a importância de ter vozes diversas nos núcleos de decisão.

Essa mesma lente crítica é aplicada ao debate sobre o papel das redes sociais na escalação de atores. Hipólyto reconhece a importância da presença digital, mas alerta para uma distorção perigosa. “O que não pode acontecer é existirem muitas pessoas desinibidas e menos pessoas capacitadas para atuar, para fazer o trabalho que a gente estuda para isso

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. Fica difícil de avaliar o nosso próprio trabalho, porque aí é sobre a pessoa ter mais views, ou ter mais curtidas, ou sobre o que a pessoa tem de estudo, de bagagem.”

Ele conecta essa reflexão diretamente à questão racial que, para ele, está na mudança estrutural. “Enquanto a reflexão estiver comigo, que não produzo, não estou dirigindo, a reflexão vai estar comigo, eu não vou conseguir fazer nada. Agora, se eu tenho poder de fala dentro da diretoria para conseguir dizer sobre essas reflexões, é outra coisa.”

Com planos de lançar um EP, inspirado em gigantes como Djavan e Liniker, e com o sonho de continuar contando histórias no palco e na tela, Hipólyto oferece um conselho final para quem almeja seguir seus passos, um conselho que encapsula sua própria jornada: “Não dá para romantizar a arte. Arte é sonho, mas também é trabalho. Não vai ser fácil. Mas é lindo. E é uma maravilha viver isso. A arte é uma coisa política, é entretenimento, é emoção. É tudo.”

Além do ator que brilha nos palcos e telas, existe um músico e compositor com uma gaveta cheia de canções e uma visão artística clara. Hypólito revela suas maiores inspirações, seu processo criativo e os planos para sua carreira musical, que ele pretende tirar do papel em breve.

As Referências: De Lázaro Ramos ao Panteão da MPB

Quando questionado sobre suas inspirações, Hypólito mostra a amplitude de suas referências. Na atuação, a admiração é direta: “Eu tenho muito Lázaro Ramos como uma grande referência. Lázaro é um cara que me inspira muito”, afirma.

No campo musical, onde também atua como cantor e compositor, a lista de sonhos é extensa e reflete a riqueza da música brasileira. “Gostaria muito de um feat com Liniker, com Djavan gostaria demais, com Os Garotinhos muito também, Gil… são pessoas que eu ouço muito”, revela. A conexão com Djavan, em especial, é profunda. “O Djavan é um cara que sempre me inspirou muito, sabe? Eu seria bem feliz se isso acontecesse”.

O Compositor de Histórias: “Preciso Contar História”

A fonte de inspiração para suas mais de 60 composições não vem, necessariamente, de suas próprias vivências. Hypólito se define como um contador de histórias, um roteirista musical.

“Eu costumo dizer que quando eu componho eu preciso contar história. E nem sempre são histórias minhas”, explica. Ele faz uma distinção clara: “As músicas que eu tenho que são da minha vida, eu nem mostro, porque é para mim. Mas quando eu crio músicas que têm história, como se fosse um roteiro mesmo, do zero, essas músicas valem para mim. O que me inspira é algo novo, algo que eu possa cantar, que não existe e que naquele momento está saindo da minha voz”.

Sua visão criativa é completa. Ao compor, ele já está imerso na produção visual e cênica da canção. “Sempre que eu componho, como eu fico pensando na história, eu fico visualizando também. Estou pensando na produção da música, qual instrumento vai entrar, e já estou pensando como vai ser o clipe, como vai ser no show. A minha cabeça é uma loucura assim, mas funciona”.

A Sonoridade Desejada: Pop, Soul e a Fuga do Óbvio

Com dezenas de músicas prontas para “sair da gaveta”, Hypólito já tem uma sonoridade bem definida em mente para seu futuro EP. Ele busca um som que seja ao mesmo tempo popular e com essência.

“Hoje eu penso muito num estilo meio pop, soul e R&B, tipo Os Garotinhos mesmo, sabe? Uma coisa que seja mais atrativa, mas que também não perca a essência musical da coisa”, detalha. Ele faz questão de se afastar das fórmulas prontas e passageiras da indústria. “É para não ser só uma coisa mercadológica. Aquele pop mercadológico, aquela batida, 2 minutos para dancinha, aquela métrica que a gente sabe”.

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