Música

Malu Azevedo estreia EP “Vem comigo” e dá vida a canção composta pelo pai nos anos 1980

Créditos: Caio oviedo

Às vezes, uma mensagem do passado chega ao presente e, de algum modo, parece ter aparecido no momento certo. Foi assim que a música Marcas na areia chegou ao repertório da jovem cantora e compositora paulistana Malu Azevedo e a uma nova geração de ouvintes. Composta em meados dos anos 1980 por Flávio Afonso de André, pai de Malu, a canção esperou pacientemente pela hora certa pra brilhar. A partitura ficou esquecida numa gaveta do passado até que, um belo dia, foi encontrada como uma garrafa na praia da memória. “O violão/ Vem relembrar/ Momentos bons/ Que o sol não traz”, dizia a letra, profeticamente. “No momento em que ele mostrou a música para mim no violão, ela me tocou da mesma forma que as do Chico ou do Caetano me tocavam. A melodia me pegou muito e eu quis muito gravar aquela música”, conta Malu. 

Marcas na Areia é uma das quatro faixas do EP Vem comigo, estreia da cantora lançada pelo selo Camarada. A faixa-título chega como um convite à viagem, um chamado à aventura, para percorrer as ilhas misteriosas e ao mesmo tempo pacíficas das canções Paciência e Tudo bem, até chegar à já mencionada Marcas na areia, que completa o disco como uma joia encontrada no baú do tesouro. 

Na juventude, o pai da artista sonhava em ser compositor, e, em parceria com um amigo, chegou a criar dezenas de músicas. Devido ao conservadorismo da época, no entanto, decidiu que, se não fizesse sucesso até os 18 anos, desistiria da carreira musical. Formou-se em administração, depois foi para a publicidade (inclusive foi ele que criou o site do disco) e para a sociologia, mas nunca abandonou a música, que continuou embalando os dias da família. Quarenta anos depois, a canção encontraria seu destino na voz de Malu e pelas mãos competentes de uma banda repleta de músicos gabaritados.

Para Malu, a gravação foi um momento emocionante para a família. “Todo o processo de gravação, de levar meu pai até o estúdio e ver aquela música se transformando foi inesquecível”. Um encontro genuíno entre o presente, o passado e o futuro. E, de fato, a canção soa tão bem nos dias de hoje quanto deve ter soado antigamente, se misturando às outras do EP, mais novas, como irmãs. Afinal, a boa música é atemporal, e uma boa intérprete é capaz de transcender o tempo. 

Essa música, por sinal, sintetiza um pouco o espírito do primeiro EP de Malu: uma mescla de estilos musicais já consagrados e consolidados há décadas, mas que, pela interpretação singular da cantautora, ganham um novo frescor, se conectam com o espírito do presente e com uma nova geração de ouvintes. E essa afirmação se revela por meio de números expressivos: o single De mansinho já teve mais de 220 mil plays. Prazer, eu sou…, em parceria com Zambonii, também passou a marca dos 200 mil. E o feat com Arthur Diniz em Passo pra cá, passo pra lá está prestes a bater 500 mil reproduções. A singeleza da interpretação de Malu, que atualizam a MPB e a bossa nova com naturalidade, cai como uma luva para uma geração que está voltando a se interessar por esses estilos.

A suavidade e delicadeza do seu gestual, até mesmo uma certa timidez, fazem um bonito contraste com a voz potente da artista, fazendo lembrar, em forma e essência, artistas como Nara Leão. Só não se deixe enganar: tal como a “musa da bossa nova”, Malu é muito mais do que essas canções gostosas, e sabe entregar luta, intensidade e revolta também, quando necessário.

SOBRE A ARTISTA

Malu iniciou a trajetória musical aos seis anos de idade, quando começou a ter aulas de canto lírico com uma professora polonesa. Após alguns meses ensinando a aluna a “respirar”, a tutora recomendou que ela voltasse aos exercícios apenas depois dos 12 anos de idade, para não forçar a voz. Dos 12 aos 14, Malu estudou canto e piano popular, e ganhou da madrinha uma viagem a Winchester (Inglaterra) para um intensivo de três semanas em um curso de canto. Dos 14 aos 17 anos, estudou canto lírico e piano clássico. 

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Foi também aos 12 anos de idade que compôs a primeira música, G-Girl, que se tornou uma espécie de meme familiar carinhoso. Continuou compondo de brincadeira, influenciada pelos sucessos populares da época, como One Direction e Ed Sheeran, sempre em inglês. “Eu sentia que, sei lá, eu conseguia me esconder atrás da língua”, conta Malu. “Tipo, quando você fala o seu sentimento numa língua estrangeira, elas não têm tanto peso quanto em português. Dizer ‘I love you’ não é tão intenso quanto ‘Eu te amo’”, explica. 

Com o tempo, no entanto, foi abrindo a cabeça para a música brasileira, já que a mãe era devota de artistas como Gilberto Gil, Maria Bethânia e cia., e os recitais se tornaram uma tradição que unia a família em torno do piano – os duetos entre ela e o pai era o lance deles. Até mesmo sua bisavó era pianista e, com o tempo, artistas como Tom Jobim e Chico Buarque já não pareciam tão antiquados e se integraram ao paladar afetivo. O grande ponto de mudança, no entanto, foi quando assistiu a um show de Vitor Kley em um festival, quando ele ainda nem era tão famoso. Aquela música brasileira jovem cantada em português e interpretada de forma visceral fez com que a menina, na época, soubesse imediatamente: “É isso que eu quero fazer!”

Já apaixonada pela bossa nova, começou a compor em português e, de repente, já não era apenas uma brincadeira, mas também uma poderosa forma de expressão. O desejo de lançar o primeiro single foi inevitável e, em março de 2022, De mansinho, em poucos dias de lançamento, conquistou centenas de milhares de ouvintes e entrou para playlists editoriais como Manhã Relax e Pop leve, no Spotify Brasil. Em seguida, veio Tudo bem, que não fez o mesmo sucesso – mas tudo bem. As duas faixas foram produzidas no estúdio Space Blues pelo conceituado Alexandre Fontanetti – o Fonta, a quem Malu chegou por acaso, pesquisando no Google por “estúdios próximos”. De mansinho ainda ganhou um clipe muito bem produzido pela irmã de Malu, Luiza Azevedo, com Allan Fernando seus colegas de faculdade na equipe. 

Em 2023, fez o primeiro show autoral, organizado pelo selo Camarada, ao qual aderiu posteriormente, em parceria com Arthur Diniz e Jonatas Belgrande, também do casting. Os artistas, que mal se conheciam, compuseram naquela semana a música que daria origem ao feat que angariou mais de 450 mil ouvintes. 

Da vontade de lançar um material mais coeso, Malu decidiu lançar um EP em 2025, Vem comigo deu o norte conceitual da coletânea, com seu lema convidativo e sua sonoridade marítima e agradável. Paciência, um dueto com Rico Adayde, dá seguimento à viagem, seguida por uma versão acústica de Tudo bem, com backing vocals adicionais.

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